Vivemos hoje em dia em um momento historicamente crucial: o fim de uma civilização. A civilização que está em seus estertores é a que surgiu das Luzes, do Iluminismo. Os pontos mais característicos desta civilização que ora finda são: o primado das idéias - que esta civilização considera que valem mais que a realidade e devem moldá-la, o que teve seu auge nos “ismos” de meados do século XX (comunismo, capitalismo, fascismo, socialismo...) -; a tendência a ver os homens como compostos por compartimentos estanques (a religião fica em um, a vida afetiva em outro, a vida cívica em outro...); o Estado Nacional (cada nação, cada povo, tem seu próprio governo, com fronteiras políticas equivalentes às culturais e de língua); a idéia, sempre presente mas pouco mencionada de forma explícita no último século, de que a natureza humana é fundamentalmente boa, sendo todos os distúrbios (guerras, crimes, etc.) causados por mal-entendidos. Esta é a noção subjacente às idéias de que a “educação” escolar resolveria todos os problemas sociais e as guerras seriam evitadas por instâncias supragovernamentais de diálogo internacional, como a Sociedade das Nações e a ONU. Este modelo de sociedade (de vida bastante curta, aliás: o Estado-Nação só se tornou a regra européia na virada do século XIX para o XX, nunca atingiu grandes partes do globo e já está chegando a seu fim) é por sua vez uma forma decadente e pervertida da sociedade cristã, em que o Deus feito homem é substituído pelo Homem feito deus.
O historiador inglês Toynbee lembra em suas obras que um dos indícios da decadência de uma civilização é o abandono das tradições pelas elites. Em qualquer sociedade não decadente, compete às elites guardar e aprimorar os elementos tradicionais da sociedade. As classes mais baixas vêem nestas elites um exemplo a ser seguido, e procuram sempre emulá-las. Isto acontecia em nossa sociedade até meados dos anos sessenta, em todos os grupos e formas de pensamento. Para os comunistas, os valores da Revolução deveriam ser mantidos e levados ao proletariado pela “vanguarda do proletariado”, os intelectuais engajados. Para os capitalistas, a elite financeira deveria oferecer aos mais pobres o ideal de “subir na vida” por esforço próprio. Para os fascistas, a elite dos fascistas mais radicais deveria servir de exemplo e modelo a toda a sociedade.
Hoje, porém, vemos o contrário acontecer. A elite, envergonhada de suas tradições (não podemos menosprezar a importância da proposição de tantos novos ideais e tantas novas “elites”, em meados do século XX, para o surgimento das formas de contestação anárquicas do Maio de 68), recusa-se a mantê-las. As escolas de elite ensinam a menosprezar os valores que a elite apoiava até por volta de 1950, tidos como “patriarcais” (o patriarcado é visto como algo especialmente mau desde o surgimento do feminismo), “eurocêntricos”, “excludentes e opressores”, etc. Usando os argumentos das diversas neo-elites européias e americanas de depois dos anos sessenta (feminismo, marxismo, multiculturalismo pós-moderno, etc.), cada aspecto da tradição cultural das Luzes especialmente em seus aspectos que refletem valores da sociedade cristã que a antecedeu, como a moral sexual é “desconstruído” e apresentado como objeto de desprezo, nojo e ódio. Jovens oriundos das famílias da elite são formados neste molde de negação e passam a buscar uma “cultura” nas últimas “invenções” das classes mais baixas (que na verdade não são invenções, mas simplesmente formas decadentes das tradições de tempos de cultura mais complexa; o “funk” está para o samba como o aborto está para os orfanatos); agitadores semi-analfabetos são vistos como preferíveis a sábios anciãos dedicados ao estudo para a condução da coisa pública e do ensino; o adjetivo “novo” perde sua conotação de “pouco confiável” (“você é a cobaia!”) e passa a ser motivo de orgulho (encontrando seu paroxismo em avisos orgulhosos de que “este produto não foi testado em animais”)...
Ora, em qualquer sociedade saudável, os idosos são vistos como os depositários da sabedoria tradicional, como aqueles a quem compete dirigir os esforços e o entusiasmo dos mais jovens. Em uma sociedade decadente, porém, é o oposto que acontece. Instaura-se uma “nova ordem” em que o que vale é a juventude, vista como um valor em si. A juventude é, evidentemente, algo transitório. A beleza e força física dos jovens dura no máximo uma ou duas décadas. É contudo inerente à juventude a sensação de invencibilidade, o que faz com que dificilmente um jovem perceba que o envelhecimento o aguarda. Em uma sociedade decadente, porém, o envelhecimento é visto como uma queda; o velho é feio, bobo e chato, não sabe a última moda nem dança a dança do momento. Assim, pululam os métodos mágicos de rejuvenescimento: cremes, ginásticas, loções, operações cirúrgicas que esticam a pele das senhoras a ponto de não poderem fechar os olhos sem levantar um joelho. Dada a vaidade natural das mulheres (que é saudável quando bem ordenada), de início são elas a buscar o bisturi, a injeção de toxinas para paralisar os músculos da face e não mais ter rugas, os enxertos de silicone e as tintas de cabelo que prometem fazer delas Barbies deambulantes. Em pouco tempo, porém, elas passam a ser seguidas pelos homens, apavorados pela perspectiva de olhar-se no espelho e tremer de nojo ao encontrar os pêlos brancos na face e no peito que sinalizam não mais pertencerem à casta dominante da Nova Ordem Jovem.
Os valores da juventude que se vê sem guia, da juventude que é vista como exemplo a seguir e não como mera iniciante ineficiente nas artes da vida, são necessariamente rasos: prazer, dinheiro, prazer, sexo, prazer, diversão, prazer, poder, prazer... A sociedade como um todo passa a derivar rumo a estes objetivos, que jamais poderiam saciar a sede de infinito que naturalmente o homem carrega dentro de si. O sexo se torna perversão, e as sex-shops pululam; o dinheiro se torna um fim em si a ser conquistado com pouco esforço, e os traficantes não têm falta de mão-de-obra; o poder se torna também um fim em si, e as academias de jiu-jitsu vomitam gangues de boçais de orelhas amassadas, prontos a pisotear mocinhas para mostrar como são fortes e audazes.
Quaisquer valores sociais que dependam de uma percepção a longo prazo (desde os mais básicos, como não matar e não roubar, se não por mandamento divino ao menos por ser impossível viver em uma sociedade onde o roubo e o assassinato são normais) começam assim a cair na vala-comum da abundantíssima produção de lei positiva, que proíbe os cigarrinhos de chocolate e a condução de automóveis sem amarração do motorista, triângulo refletivo e espelhos por toda a volta, que manda que sejam feitas certidões de nascimento e atestado de óbito, que ordena que se tire os chinelos algures e se ponha terno alhures. O resultado é a anomia, a ausência de leis. Há tantas leis, feitas por um Estado que tenta esquizofrenicamente servir de babá e ao mesmo tempo manter-se “atualizado” pelas últimas modas da “juventude”, que nenhuma lei “cola”. “Não matarás” e “não dirigirás sem cinto” confundem-se com “não comerás nada que produza celulites” e “malharás duas horas por dia”, diferenciando-se apenas na importância menor daquelas em relação a estas.
É a Nova Ordem Jovem: não há ordem, e os crimes mais velhos, caquéticos e podres levantam-se de seus túmulos mofados: a antiga sodomia vira “gay chique” e é cantada em verso e prosa; o infanticídio romano pagão vira “saúde reprodutiva” e ganha status de “direito humano”. Nada de novo debaixo de sol, anomia e desprezo por qualquer valor estabelecido: é a decadência de uma sociedade, é a caquética anomia dos vícios mais antigos; é uma velhíssima e desordenada “Nova Ordem Jovem”.
O ancião Guilherme Figueiredo disse certa feita que “meu conselho aos jovens é que envelheçam, envelheçam o mais rápido possível”. É um sábio conselho; espero em Deus que ao menos alguns jovens “envelheçam, envelheçam o mais rápido possível” e procurem lançar-se o quanto antes ao estudo do que resta das tradições, como fizeram os monges na decadência da civilização dos romanos. Esqueçam as academias de ginástica povoadas por senhoras esticadas, botoxizadas e ultravioletadas; esqueçam a televisão e o funk, e guardem ciosamente os resquícios de algo grande, algo muito maior e mais belo que os seios siliconados da última globete. Enquanto os tiros de AR-15 dão o ritmo do funk, estudemos Aristóteles ao som do cantochão. Vale a pena, juro pelas minhas barbas brancas.
©Prof. Carlos Ramalhete - livre cópia na íntegra com menção do autor
Sim, tudo isso é verdade,lamentável verdade,- só posso completar com um termo que li recentemente- os jovens estão submergindo dentro do "autismo digital" a excessiva e veloz carga de informações via web lhes gradualmente assassina a capacidade de concentração.
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