A noção de "participação" (pedida pelo Concílio Vaticano II e, antes disso, por vários Sumos Pontífices) está, ao contrário do que sempre foi a sua compreensão na Igreja, sendo vista como não mais uma real participação do cristão m uma ação da Igreja, mas como uma participação meramente acidental, que não leva em consideração a necessária ordenação hierárquica dos modos de participação.
A participação deve ser ordenada hierarquicamente por ordem de importância, não por ordem de visibilidade (que frequentemente aliás vem a ser o seu exato oposto). Assim, a participação do corpo deve ser subordinada à participação da alma, e a participação da vontade à participação do intelecto. Infelizmente muitos consideram ser mais importante que tenhamos uma assembléia reunida a responder em alta voz as partes que lhes competem da liturgia que uma assembléia que esteja compreendendo o que está se passando (e, evidentemente, o que está ou não a dizer), e que esteja, em sua alma, participando.
Participa mais da Santa Missa a velha senhora que percebe estar diante do mais belo e profundo Mistério e, enlevada pelo Sublime e fisicamente ocupada com suas devoções particulares (que podem não ser correspondentes ao texto litúrgico mas indubitavelmente o são em relação à ação litúrgica e sacramental cuja existência e majestade elas a ajudam a compreender), não responde em alta voz que a jovem senhora que responde aos brados, senta-se e levanta-se como se propelida por mecanismo de mola, abraça a força todos os que estão perto dela no "abraço da paz" e joga beijinhos para os amigos em outras fileiras... mas não percebe o que está acontecendo no altar.
Sua Santidade o Papa Pio XII já nos lembrou que não há como apelar igualmente aos sentimentos e à espiritualidade de cada um na liturgia. Não há comportamento que seja igualmente expressivo para todos. É evidente que os gestos litúrgicos tradicionais, como o ajoelhar-se, levantar-se, etc., têm um significado que é o mesmo para todos, mas não se pode esperar que a liturgia seja tão emocionante ou tocante, ou que atinja emocionalmente a todos da mesma exata maneira.
Daí ocorre em muitas paróquias um triste fenômeno: busca-se levar as pessoas a uma participação exterior, sem que lhes seja dada sequer a oportunidade de participação interior. Sacerdotes dizem o que diziam em minha infância os palhaços de circo ("mais alto!" "não ouvi!" "vamos lá, bem forte!"), músicas totalmente alheias ao espírito da liturgia são usadas para que seus ritmos acelerados levem as pessoas a um estado de excitação em que a vontade age sem o acordo do intelecto e o corpo se move sem cuidar da alma...
Assim, aparentemente, vemos uma assembléia a participar. Mas será que realmente haveria alguma participação?
Temos corpos que se movem, mas a alma fica como que morta.
Temos a vontade que age, mas o intelecto não tem domínio algum sobre ela neste momento.
Os corpos movem-se ao compasso da música, mas o Mistério que lá ocorre, exatamente devido a tantos fatores de distração (música ritmada, coreografias!!!, etc.) passa desapercebido da alma. A grandeza do Sacrifício de Cristo na Cruz tornado novamente presente de forma incruenta porém real - tão real quanto a existência de teu coração ou fígado - é obnubilada e diminuída acidentalmente pelo ambiente nada propenso à devoção. O movimento das cadeiras da "Heloísa" da fileira à frente passa a ter mais importância para muitos jovens - que mal esperam chegar a hora do abraço da paz para abraçá-la - que a Real Presença de Nosso Senhor Jesus Cristo, abandonado no altar enquanto os fiéis(?) dançam, cantam e se abraçam. Não é de se espantar que tão poucos sigam os Mandamentos, tão poucos tenham uma vida espiritual mais rica que cantar músicas do padre roqueiro mais em voga em sua região... :(
A vontade age movida pelos sentidos, pelo ritmo da música, pela amizade aos que estão em torno, pelo carinho que se tenha para com fulano ou beltrano... Não pelo intelecto. Não é por perceberem pela Razão iluminada pela Fé a grandeza do Mistério que ora é celebrado que as pessoas se colocam de joelhos, mas por ouvirem a pavloviana sineta que anuncia a "hora de ajoelhar", assim como o "Oremos" anuncia a hora de se levantar. Não é para fazer as pazes com os inimigos que as pessoas se aproximam no "abraço da paz", mas para abraçar os amigos ou as moças bonitas...
Mas "a comunidade está participando", dizem alegremente os que percebem apenas este aspecto externo, enquanto ficam com a boca cheia d'água ao ver uma cesta cheia de frutas de cera.
Eles não percebem que a esta participação meramente acidental conquanto ruidosa seria infinitamente maior e melhor uma participação real, em alma e em vontade, de uma assembléia silente e imersa em seus devocionários ou terços bem rezados.
Eles não percebem, ai de nós, que esta "participação" é tão real quanto o catolicismo de tantos jovens que estão na Missa da noite todos os domingos porque aos sábados à noite vão para a boate e "ficam" uns com os outros - "sem problemas, eles usam camisinha..." - ou o de tantos casais que se fecham para a vida com pílulas, DIUs, castrações... e depois entram na fila da comunhão alegremente conversando com o colega do lado - isto quando não são eles mesmos a, habitual logo ilicitamente, distribuir o Santíssimo...
Rezemos por uma real participação, e procuremos fazer com que nossos irmãos e, sobretudo, nossos pastores compreendam o que realmente significa "participar".
Aproveito para contar algo que aconteceu comigo no domingo passado, a meu ver uma perfeita ilustração do que abordei naquele texto.
Fui passar uma tarde no parque com meus filhos e minha esposa, e deixei para ir à Missa na Catedral, no fim da tarde. Resolvemos, eu e minha esposa, aproveitarmos a visita à Catedral para nos confessarmos.
Chegamos um pouco antes da hora da Missa, e enquanto ela ficava com as crianças na frente da igreja entrei para ver se havia padre disponível para ouvir minha Confissão. Havia um grupo de jovens - um tecladista, uma cantora de belíssima voz e um casal assistindo - ensaiando as (horrendas) músicas da "Campanha da Materialidade", digo, "da Fraternidade" deste ano. Evidentemente eles não estavam no coro, lugar onde os músicos deveriam estar, mas em lugar onde ficassem plenamente visíveis para todos...
Comentei com a moça, que assistia, que era uma pena ver voz tão bela cantando músicas tão pouco inspiradas. Ela me respondeu que gostava das músicas, e perguntou por quê eu não as apreciava. Respondi que, além das rimas pobres, da melodia fraca e do fato da música raramente acompanhar a melodia, as músicas expressavam uma mentalidade bastante acatólica, a da famigerada "teologia da libertação". Em tempo de Quaresma, disse, elas ignoram a conversão e a contrição para pregar bobagens materialistas que não se levam depois da morte.
Daí veio a pobre moça a me falar de como a CF era importante, do quanto era necessário que percebêssemos as desigualdades sociais e injustiças, etc. Respondi que pelos frutos podemos ver o mérito de uma obra. Os frutos do comunismo, sabemo-lo todos, são milhões de mortos e a destruição da Fé em larga escala nos lugares por onde passou. Os da TL... basta ver o que houve com seu principal porta-voz, Boff, apóstata e amasiado. Respondeu-me ela que lera seus livros e muito o apreciava, e que certamente ele era mais "santo" que muita gente que está na Igreja.
Perceba-se aí o duplo engano: achar que a participação/"presença-cantante" é "estar na Igreja" e achar que fora da Igreja há Salvação e Santidade.
Enquanto isso o rapaz ia atrás de padre para ouvir minha confissão, e eu esperava.
Daí veio a pobre moça a me dizer que sua irmã, 'tadinha, vivia amasiada ("casada" no civil) com um rapaz casado e "divorciado", e que sua vida era santa e ela não estava a cometer pecado algum, que isso era delírio da Igreja, etc.
Em um determinado momento ela parou de arrotar absurdos e saiu, dizendo que sentia muito mas tinha que ir distribuir folhetos da Missa (claro, sem folhetos não há "participação" cantante e sacolejante...).
Chegou então o padre para ouvir minha confissão. Pedi a ele que fosse no confessionário, ao lado do qual estávamos. "Precisa mesmo?", perguntou-me ele, evidentemente desacorçoado pela idéia. Respondi-lhe que pelo Código de Direito Canônico, cânone 964 parágrafos 2 e 3 era meu direito (anotem esses números!!! ;) ). Creio que não preciso descrever a cara que fez, enquanto resmungava que era a primeira vez que entrava em um confessionário(!)...
Então percebi que havia genuflexórios colocados de tal maneira que a parte onde a pessoa ajoelha trancava a porta dos confessionários, para impedir que lá fossem ouvidas confissões. Eles estavam em tal posição que era impossível usá-los para ajoelhar-se.
Ajudado por um seminarista, arredei um genuflexório para que o padre pudesse entrar.
Ele ouviu minha confissão e, parecendo desapontado com meus pecados(!), fez-me um discurso dizendo que a Confissão não era necessária, que Deus perdoa aqueles que pedem perdão diretamente a Ele, etc. Note-se que ele não disse que ***eu*** estava sendo escrupuloso (mesmo pq evidentemente não era o caso, não entro em detalhes para não escandalizá-los), mas que a Confissão, qualquer Confissão, era desnecessária.
Deu-me como penitência rezar uma dezena do terço pelos alcoólatras (que, com problemas de coordenação motora causados pela bebida, certamente têm dificuldades em balançar as mãos ritmicamente na liturgia).
Enquanto eu me levantava, surgiram várias pessoas que haviam visto o padre no Confessionário e queriam se confessar ali, mas o padre saiu dizendo que não ouviria suas confissões no confessionário de modo algum, e que iria para junto da porta da igreja para ouvir as confissões sentado em um banco ao lado dos que se confessavam. Ouvi vários suspiros e protestos, que de nada serviram. Ele estava inarredável em seu abuso de autoridade.
Fui então buscar minha esposa, que quando soube o que se passara decidiu esperar para se confessar com outro padre que poderia dar-lhe tbm direção de consciência correta.
E começou a Missa. Alto-falantes por toda parte distorciam o som que seria cristalino se não houvesse amplificação (posto que a Catedral tem uma acústica maravilhosa, desde que se fale do presbitério ou dos púlpitos), mas foi possível perceber que a homilia do padre (outro, aquele estava na porta da igreja, de pé, braços cruzados sobre a estola e pernas abertas) era sobre como a "amizade" é linda, e como tanta gente vinha para a igreja por causa dos amigos, vinham para o Grupo de Jovens e lá faziam amigos, que duravam para a vida toda...
E eu só pude então pensar em como realmente no Grupo de Jovens eles liam os livros do Boff e "aprendiam" que a amizade com o homem (expressa nesta "participação" puramente acidental), e não com Deus, é o que importa... :(
Chegando ao fim da Missa, foram à frente os famigerados dizimistas-modelo pregar as maravilhas do dízimo, enquanto o padre pedia palmas para eles e o grupo de jovens distribuía folhetos sobre o dízimo nas portas.
Haveria ali alguma real participação na Igreja?
Gostaria de crer que sim, mas se a há é a despeito do que se faz acidentalmente, não por causa disso.
©Prof. Carlos Ramalhete - livre cópia na íntegra com menção do autor
No comments:
Post a Comment