Os suíços foram, ao longo de sua história milenar, frequentemente contratados como mercenários. Isso ocorre por causa da tradição militar suíça. Lá cada cidadão é um soldado, e é obrigatório por lei ter em casa não só seu uniforme do exército como um fuzil. Cada casa suíça tem que ter uma arma, por lei (o que aliás explica a quase inexistência de crimes violentos naquele país; que ladrão assaltaria uma casa onde sabe que encontraria resposta armada à altura?...).
Na Idade Média e no Renascimento, antes da formação do Estado Nação (o Estado em que todos falam a mesma língua, têm a mesma nacionalidade e cultura, modelo atual - qua aliás já está terminando), todos os governantes eram aparentados, por serem oriundos da mesma nobreza. A exceção eram os papas, que frequentemente vinham (e vêm ainda, como o ex-operário João Paulo Ii está aí para mostrar) de famílias pobres. A ação militar era confiada basicamente a soldados profissionais (os nobres), ajudados por soldados profissionais contratados. Não passaria pela cabeça de ninguém algo como o atual serviço militar obrigatório (invenção de Napoleão, no início da Era Moderna e do Estado-Nação). Do mesmo modo, um sujeito poderia ao longo da vida ser embaixador de dois ou três países em dois ou três outros. A união era maior que a separação, e ninguém se julgava essencialmente diferente do outro por ter nascido em um país ou outro. Nessa época a dúvida do seu irmão não faria muito sentido; a "diferença" entre o suíço e o angolano não era considerada. Se ambos eram cristãos ambos eram semelhantes, com igualdade de direitos onde quer que morassem.
A parte católica da Suíça, que como o resto da Suíça enviava mercenários para o serviço de todos os reis, considerou então um privilégio cuidar da segurança do papa. Assim, foi feito um acordo, que vigora até hoje, para que eles selecionassem os guardas da Santa Sé. Afinal, a nobreza vaticana não era - ao contrário de todas as outras - uma nobreza guerreira, e os soldados tinham necessariamente que ser contratados em outro lugar. A Suíça era a fonte por execelência de soldados profissionais na época.
Foi então criada a Guarda Suíça. Este acordo continua até hoje. Para alguém se tornar um membro da Guarda Suíça deve ser católico, ter feito o treinamento militar do Exército Suíço e passar em um duro concurso. São muitíssimos candidatos, e todo o processo é feito pelos suíços, graças a este acordo. Assim, um nativo de Angola ou da Guiné poderia ser guarda suíço se ele fosse católico e tivesse feito o treinamento militar do Exército Suíço. Provavelmente daqui a alguns anos teremos guardas suíços originários destes países, dada a alta taxa de migração para a Europa. Um menino angolano que tenha recebido cidadania suíça e feito o treinamento suíço poderá passar nos testes e se tornar um guarda suíço.
O importante é perceber que não se trata de uma regra do Vaticano, que não faz nem a escolha dos guardas nem o seu treinamento; quem cuida de tudo, graças a um acordo que tem funcionado muito bem por séculos e não tem razão para mudar, é o governo suíço. Ora, o governo suíço não tem como averigüar os antecedentes de um angolano que não tenha crescido na Suíça, não tem como providenciar seu treinamento militar, etc. Assim, é perfeitamente natural que este governo - que ao contrário da Santa Sé não está espalhado por todo o mundo - restrinja as inscrições para os testes aos cidadãos suíços.
©Prof. Carlos Ramalhete - livre cópia na íntegra com menção do autor
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